Em dezembro deixei este espaço respirar.
Li pouco, escrevi quase nada.
Estive uma semana na minha casa de infância a alimentar o lume da lareira e o corpo de algum tipo de descanso.
Mantive a televisão ligada, um barulho de fundo que me dava um certo conforto.
Alimentei-me de todos os cozinhados que a minha mãe não me pode fazer durante os últimos seis meses e voltei a ser a Edna antes da mudança.
Adília Lopes morreu. Não tenho nenhum livro dela. Todos os que li requisitei da Biblioteca Municipal de Viseu. Um dos confortos externos à minha casa de infância é essa biblioteca.
Lá, escrevi o suficiente para ter um pequeno livro de contos.
Lá, escondi-me o tempo suficiente para destronar o passado.
Lá, requisitei os livros que me formaram como leitora.
E é lá que estão os livros que fui comprado e que não podia levar em mudança. Era o melhor espaço para os “guardar”.
E quando sinto algum tipo de saudade dos escritores, vou até às estantes onde os meus antigos livros foram colocados e olho as lombadas cada vez mais manuseadas.
Os livros da Adília, são pequenos objetos para trazer connosco ou para deixar no banco do carro.
Para estarem em cima da mesa da cozinha enquanto o amigo desafada e precisamos de algo para desfolhar.
São um incentivo à poesia, também eles um lugar de conforto.
Sempre que me deslocava até à Biblioteca e precisava de algo para ler, na enorme pilha de requisitados, trazia um livro da Adília.
A simplicidade da poesia da Adília é o dia-a-dia que vivemos.
É a forma simples como os pequenos poemas se juntam e criam algo possível de oferecer.
Agora que penso, ofereço poucos livros.
Talvez a poesia da Adília Lopes seja um bom ponto de partida para esse gesto de bondade, que é oferecer um Livro.
Quando chego a casa e abro a porta do meu quarto, a pequena estante de quatro blocos é a primeira a saudar-me.
Contêm os meus livros preferidos, aqueles dos quais não me quero desfazer.
Houve um dia em particular em que me deixei ficar a observar as lombadas dos livros por mais tempo. A deliciar-me com a memória das várias histórias que me conduziram a eleger cada um como um preferido.
Num ímpeto, procurei uma caixa de cartão pela casa.
Quando encontrei uma, voltei ao quarto e sentei-me no chão em frente à estante.
Do primeiro bloco de livros retirei: O despertar, A desobediente, Caim, Todos os nomes, Filho da mãe.
Do segundo bloco retirei: Days of abandonment, These precious days; The bell jar, Burial Rites.
Do terceiro bloco retirei: A história de roma, mulheres da minha ilha, mulheres do meu país; Um cão no meio do caminho, Leme, Horto de incêndio.
Coloquei todos os livros na caixa de cartão e pensei que era uma caixa arriscada.
Para o homem que iriam encontrar.
Escrevi um bilhete que coloquei por cima de todos os livros e fechei a caixa.
Desde esse dia que comecei a tirar uma hora para me sentar no café que sabia que ele frequentava com regularidade.
Numa quarta-feira, enquanto olhava a chávena de chá vazia, ouvi a voz dele enquanto abria a porta do café.
Eu estava sentada no mesmo lugar de sempre e ele vinha acompanhado por um homem e uma mulher.
Fiquei em espera, até que os olhos dele cruzaram os meus e eu sorri.
Ele disse algo imperceptível aos que o acompanhavam e vi-o levantar-se e caminhar até mim.
Eu peguei na caixa e entreguei-lhe.
Apenas lhe dei a indicação que dentro da mesma estava um bilhete explicatório.
Meses depois o meu telemóvel dá o sinal de um novo e-mail.
No assunto do e-mail estava escrito: Agora compreendo.
Não precisei de abrir o e-mail.
A história que escrevíamos os dois podia se retomada.
Fascina com a nova versão de Mr. Ripley (Netflix). Não apenas porque a história realmente me fez entrar numa espécie de síndrome de Estocolmo (estava sempre a torcer para que o Ripley não fosse descoberto), mas pela imagem a preto-e-branco, os enquadramentos a recordar uma certa perfeição cinematográfica das décadas 60/70.
Apenas um apontamento, em que o trabalho de luz, poderia ter retirado maior inspiração em Caravaggio, dada a admiração que o protagonista tinha pelo pintor.




